Institucional

Elementos fundamentais da juventude em nossos dias

11.09.2019
Artigos dos estudantes

Elementos fundamentais da juventude em nossos dias

 1. Começo, meio e fim: a lógica ameaçada
Nas aulas de redação e construção de textos é normal que os professores enfatizem, além de outras temáticas, a importância de se organizar um artigo com as seguintes partes: começo, meio e fim. Essas três etapas – também chamadas de introdução, desenvolvimento e conclusão – são base para uma análise textual onde irá se desenvolver uma ou mais ideias, a fim de se manter uma lógica no que será apresentado. Assim, por muitos anos, também foi concebida a vida humana. Com algumas exceções culturais e sociais, o ser humano foi compreendido no espaço de tempo em que era criança, adulto e idoso, com características bem claras sobre cada faixa etária. A criança era totalmente dependente, o adulto era capaz de garantir seu próprio sustento, e o idoso, visto muitas vezes como ancião, tinha seu papel social, pois poderia ser considerado uma referência.

2. Uma possível reconstrução histórica: a mudança da lógica
“Durante os primeiros séculos da reinvenção das escolas de educação infantil do ocidente, não se fazia distinção entre a criança e o jovem” (PRADO, 2018, p. 13). A vida de uma pessoa era compreendida entre criança, adulto e idoso. A “reforma” desse modo de compreender se deu no ambiente escolar. Segundo Ariès (1981, p. 115), é no século XIX que começa a difusão da diferenciação entre criança e jovem, por causa das universidades: “o período da segunda infância – adolescência – foi distinguido, graças ao estabelecimento progressivo e tardio de uma relação entre a idade e a classe escolar”.
É diante desta construção que surge um elemento estranho na ordem lógica que vigorava. Entre a infância e a idade adulta há um novo e perturbador elemento: a adolescência, ou, também chamada, juventude. É claro que há divergências sobre as terminologias e a determinação da idade de classificar esta faixa etária (16-29 anos), mas o fato é que ela cresceu e ganhou significado. Um dado marcante, segundo Prado (2018, p. 14), é a rebelião dos jovens da Universidade da Sourbonne contra o governo francês, em maio de 1968: “a luta de maio de 68 contra o mundo velho, das velhas guerras, da morte proporcionada pelas velhas formas de organizar o Ocidente, colocou a juventude no centro do debate político, cultural e social e – por que não dizer? – eclesial” (PRADO, 2018, p. 16).

3. Elementos fundamentais da juventude em nossos dias
A dúvida sobre como bem compreender essa fase da “juventude” revela a amplidão de reflexões acerca desse tema. Fato é que a própria Igreja se vê nesta busca: o Papa Francisco convocou, nos últimos tempos (outubro de 2018), um Sínodo para compreender melhor esta questão. Para esse encontro, foi organizado um documento preparatório que traz claras constatações sobre os pilares que sustentam a fase juvenil hoje. Entretanto, esta faixa etária é múltipla. Os temas tratados podem ser diferentes, dependendo o contexto social e histórico. Entretanto, alguns elementos podem ser colocados como “padrão” ou “frequentes” nas mais variadas situações e culturas.
Estamos em uma mudança de época e em uma época de mudanças: apesar de o documento não colocar esta frase, é possível chegar a esta conclusão. A redação sugere que há uma velocidade nos processos de mudança e transformação. As gerações já se vêem com maiores dificuldades para dialogar, levando em consideração a rapidez na diferenciação no perfil juvenil.
“Quem é jovem hoje, vive a própria condição num mundo diferente daquele da geração dos seus pais e dos seus educadores. Não apenas o sistema de vínculos e oportunidades muda com as transformações económicas e sociais, mas de forma subjacente alteram-se também os desejos, as necessidades, as sensibilidades e o modo de se relacionar com os outros. Além disso, se sob um certo ponto de vista é verdade que com a globalização os jovens tendem a ser cada vez mais homogéneos em todas as partes do mundo, contudo nos contextos locais subsistem peculiaridades culturais e institucionais que têm repercussões no processo de socialização e de construção da identidade” (SÍNODO DOS BISPOS, 2017, p. 19-20).
Este recente Sínodo dos Bispos trouxe à tona três elementos fundamentais para compreender a juventude de hoje. Eles não extinguem a reflexão, mas apontam nortes para vislumbrar algumas características juvenis atuais. São eles:
a) Pertença e participação: os jovens não querem ser passivos diante das realidades. Querem ser protagonistas (SÍNODO DOS BISPOS, 2017, p. 21). “O processo de amadurecimento e as expectativas sociais despertam um grande desejo de independência. Este é reforçado ainda mais com a maior capacidade de conhecimento, o que leva a que as restrições e expectativas dos pais sejam discutidas” (KLOSINSKI, 2005, p. 26).
b) Pontos de referência pessoais e institucionais: apesar das grandes transformações sociais, há ainda uma aspiração juvenil por uma ou mais figuras referenciais. A juventude permanece com a sede de uma “praia” onde ele possa largar o seu mar de desejos, que traz em si suas aspirações. A grande novidade é a desvinculação da figura adulta: o jovem reconhece no outro jovem essa possibilidade, mesmo ainda também com referências senis, “desde que estas figuras exprimam sintonia, encorajamento e ajuda para reconhecer os limites, sem fazer pesar o juízo” (SINODO DOS BISPOS, 2017, p. 21). Exemplo claro disso são os “gurus” atuais que, jovens ou não, trazem consigo um grande grupo de “seguidores”.
Um aspecto disso, mesmo sendo um caso isolado e muito particular/pessoal, ocorre nas ordenações presbiterais da Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil. Na primeira missa de um frade sacerdote, normalmente é convidado um outro presbítero para que faça uma pregação no momento da homilia, dando conselhos ao neossacerdote. Havia um “senso comum” de que este deveria ser unicamente um “padre mais experiente, com maior caminhada”. Fato interessante é que nas últimas ocasiões, alguns frades neo-presbíteros têm convidado frades de sua turma ou contemporâneos nos estudos para fazer esta pregação, o que não era uma prática frequente. Aí está envolvida a empatia, a caminhada conjunta, que resultou no amadurecimento pessoal.
“Os jovens não buscam, porém, apenas figuras de referências adultas: forte é o desejo de confronto aberto entre pares. Para esta finalidade é grande a necessidade de ocasiões de interação livre, de expressão afetiva, de aprendizagem informal, da experimentação de papéis e habilidades sem tensão e ansiedade” (SINODO DOS BISPOS, 2017, p. 22).
c) Rumo a uma geração (hiper)conectada: muito se reflete sobre o “mundo virtual”. É possível questionar inclusive este paradigma. Será que o mundo virtual não é tão real quanto o “mundo real”? Pois, o mundo virtual, hoje, na vida de muitos jovens, já é cotidianamente real. É no virtual que o jovem desenvolve suas atividades, trabalhos e relações, por melhores compreendidas que sejam ou não, por mais saudáveis que sejam ou não. Mesmo que anteriormente vivia-se sem esta realidade, é possível conceber o ser humano real do século XXI sem o mundo virtual? É preciso “suspender” o antagonismo entre estas duas realidades que, hoje, na verdade, somam-se e confundem-se num “casamento” nem sempre fácil.
“As jovens gerações são hoje caracterizadas pela relação com as modernas tecnologias da comunicação e com aquele que vem normalmente chamado de “mundo virtual”, mas que também tem efeitos muito reais. Ele oferece possibilidade de acesso a uma série de oportunidades que as gerações anteriores não tinham e, ao mesmo tempo, apresenta riscos” (SINODO DOS BISPOS, 2017, p. 23).

4. Na lógica da vida, onde encaixa-se a faixa etária da juventude?
No esquema “começo, meio e fim” da lógica da vida humana que perdurou por muito tempo o elemento juventude entra como “corpo estranho”. Muitas vezes revoltado, inquieto e diferente em relação aos demais, o jovem quebrou a lógica do sistema. Fato é, então, que a juventude tem sido alvo de reflexões por ter tido reconhecida sua existência. O ser humano, na passagem da infância para a maturidade adulta, compreende uma “fase” que antes era resolvida no “pai-para-filho” ou no papel social da mulher “dona de casa”, ou na herança familiar.
Mais do que revoltado, o jovem procura se formar e encontrar seu lugar na sociedade. Os padrões pré-estabelecidos são ainda padrões, mas precisam convencer. A autoridade, antes garantida pela idade, agora pode ser questionada e ela até pode conviver na relação entre pares: possuir reconhecimento não é só uma questão de idade, mas de empatia pessoal. Além disso, a conexão com o virtual caracteriza a disseminação de novas ideias, mas também de padrões que acabam imperando nas juventudes: é o grande mercado, hiperconectado com os jovens, que muitas vezes influencia os padrões.
Esta mudança na lógica da vida humana alcança também o ambiente eclesial. Anteriormente, a catequese era para as crianças, o casamento ou o convento para os adultos, a sede da sabedoria ficava nas mãos dos mais velhos. Hoje, vemos jovens fazendo os Sacramentos da Iniciação Cristã (que anteriormente eram amplamente ministrados às crianças), jovens sendo os “gurus” dos próprios jovens em temas da Igreja, e a entrada das redes sociais criou e fomentou novas experiências pastorais e eclesiais. A Igreja já consegue realizar ponto de encontro para a evangelização com as juventudes. Mas ela não pode esquecer: o jovem de hoje, antes de convencer-se pela instituição, sente-se atraído pela intuição, pelo carisma.
Como está a oferta de bons e calorosos exemplos? O testemunho cristão atinge o coração desta faixa etária tão discutida e tão provocadora? “Nisto todos conhecerão que sois meus discípulos, se vos amardes uns aos outros” (Jo 13,35).

Referências
ARIÈS, Philipe. História Social da Criança e da Família. 2. ed. Rio de Janeiro: LTC, 1981.
KLOSINSKI, Gunter. A Adolescência Hoje: situações, conflitos e desafios. Petrópolis: Vozes, 2005.
PRADO, Antonio Ramos do. Como vivem os jovens? In: Escolhendo Jesus: jovens cristãos para uma nova sociedade. Petrópolis: Vozes, 2018.
SÍNODO DOS BISPOS. Os jovens, a fé e o discernimento vocacional – Documento preparatório. Brasília: Edições CNBB, 2017.

Frei Gabriel Dellandrea

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